A Serra da Barriga, em União dos Palmares, Alagoas, é o local onde Zumbi dos Palmares liderou, por mais de uma década, a maior resistência de negros escravizados na história do Brasil, o Quilombo dos Palmares, uma comunidade formada por pessoas que fugiram da escravidão e que chegou a ter mais de 10 mil habitantes, segundo os historiadores.
A reportagem ouviu o professor Danilo Marques, coordenador geral do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi) da Universidade Federal de Alagoas (NEABI). Há 10 anos, ele estuda resistência de pessoas escravizadas. Na entrevista, o pesquisador destacou a importância histórica da Serra da Barriga e seus personagens que, para ele, ainda são pouco reconhecidos.
“Embora Alagoas tenha sido conhecida como a terra dos marechais, de figuras como Deodoro da Fonseca [primeiro presidente do Brasil] Floriano Peixoto [segundo presidente do Brasil], Palmares traz uma representação daqueles que foram excluídos da história oficial. Como dizia a ativista Lélia Gonzalez, Alagoas é o berço de uma nacionalidade que ainda está em construção, justamente por conta da resistência de Palmares”, explicou.
Segundo os historiadores, Zumbi dos Palmares nasceu no estado de Alagoas no ano de 1655. Foi um dos principais representantes da resistência negra à escravidão na época do Brasil Colonial. Foi líder do Quilombo dos Palmares, comunidade livre formada por escravos fugitivos das fazendas.
Em 1965, o quilombo foi atacado por soldados portugueses. Zumbi, com apenas 20 anos, ajudou na defesa e destacou-se como um grande guerreiro. Após uma batalha sangrenta, os soldados portugueses são obrigados a retirar-se para a cidade de Recife. Três anos após, o governador da província de Pernambuco aproxima-se do líder Ganga Zumba para tentar um acordo, Zumbi coloca-se contra o acordo, pois não admitia a liberdade dos quilombolas, enquanto os negros das fazendas continuariam aprisionados.
Em 1680, com 25 anos de idade, Zumbi torna-se líder do quilombo dos Palmares, comandando a resistência contra as topas do governo. Ao longo do “governo” de Zumbi, a comunidade cresceu e se fortaleceu, obtendo várias vitórias contra os soldados portugueses. O líder Zumbi mostra grande habilidade no planejamento e organização do quilombo, além de coragem e conhecimentos militares.
Segundo o professor, Palmares surgiu no final do século XVI, por volta de 1590, e resistiu por mais de 100 anos. No auge, chegou a ter entre 8 e 10 mil habitantes, tornando-se um símbolo máximo de resistência contra o colonialismo. Para o professor, o Quilombo dos Palmares foi uma peça fundamental na construção da identidade alagoana e brasileira.
Para os escravizados, Zumbi foi conhecido como o guerreiro e comandante do quilombo. "Um guerreiro, justamente pelas suas táticas de guerrilha, o uso de armas, estratégias das 'palissadas', que são armadilhas no entorno dos mocambos para conter avanços dos colonizadores", relatou Danilo.
O Dia Nacional da Consciência Negra é celebrado na data da morte de Zumbi. Ele teve a cabeça cortada e levada para Recife, onde foi exposta em praça pública, no alto de um mastro, para servir de exemplo a outros escravos. Sem a liderança militar de Zumbi, por volta do ano de 1710, o quilombo desfez-se por completo.
"Isso era uma forma que para os outros líderes de Palmares não seguissem o caminho da liberdade", disse o professor.
Além dele, há outras lideranças descritas ao longo da história de resistência como Ganga Zumba, que foi o tio de Zumbi, e Aqualtune, conhecida como uma princesa congolana e avó materna de Zumbi. Todos lutaram pela liberdade dos escravizados; e Acutirene, conhecida como uma das matriarcas do quilombo.
A Serra da Barriga, estrategicamente localizada, foi essencial para a resistência. “Circunscrita por rios, matas e serras, ela oferecia uma visão privilegiada que permitia avistar inimigos a distância e planejar estratégias de defesa. Essa geografia específica ajudou Palmares a resistir por mais de um século contra as forças holandesas e portuguesas”, destacou Danilo Marques.
Era para lá que os negros escravizados, fugidos dos engenhos de cana de açúcar do Nordeste Brasileiro, se dirigiam, buscando fugir da escravidão.
"O principal desafio encontrado por Zumbi e pelos quilombolas foi exatamente a guerra que eles enfrentaram, primeiramente, contra os holandeses e, posteriormente, contra os portugueses, que manipulavam armas de fogo", disse o pesquisador.
Mesmo assim, a resistência durou um século e é exatamente isso que difere o Quilombo dos Palmares de outros da época e da história.
A Serra da Barriga ocupa uma área de aproximadamente 27,92 km². O pesquisador explicou que as evidências sobre Palmares vêm de documentos históricos portugueses e holandeses, além de estudos arqueológicos que apontam para a Serra da Barriga como o centro do quilombo.
O local se tornou patrimônio nacional graças aos movimentos negros que começaram a se mobilizar a partir dos anos 80.
Em 1985 o sítio histórico foi tombado e passou a pertencer ao Governo Federal e à Fundação Cultural Palmares após processo de desapropriação, com a posse repassada pela Secretaria de Patrimônio da União com o objetivo de gerir ações para a sua manutenção e preservação.
Em 2007, após a mobilização de grupos de ativistas e de estudiosos, foi implantado o Parque Memorial Quilombo dos Palmares em uma área plana, chamada de platô, no alto da Serra da Barriga.
O local é aberto à visitação permanente. Lá, os visitantes vão encontrar réplicas das moradias dos negros quilombolas que são edificações com paredes de taipa, cobertas de palha e o piso feito de terra batida. Também há espaços para apresentações culturais e mirantes para a contemplação da belíssima vista.
No 20 de novembro, diversas entidades, grupos culturais e religiosos, moradores da região e visitantes sobem a serra para festejar a data com shows, comida afro-brasileira, rodas de capoeira, manifestações religiosas, entre outras atrações.
O professor ressaltou que o Dia da Consciência Negra, que em 2024 será pela primeira vez feriado nacional, é uma data fundamental para refletir sobre o legado de Zumbi e as desigualdades raciais no Brasil.
“É uma oportunidade de debater o impacto de quase quatro séculos de escravidão e a importância de políticas de ações afirmativas para enfrentar o racismo e as desigualdades que persistem”, enfatizou.